11.10.09

O que fica por dizer é muitas vezes o mais importante

Todos nós pensamos muitas vezes coisas sobre alguém ou em determinadas situações que por mais que gostassemos de o transmitir não o fazemos. Muitas vezes só se torna claro como gostavamos de ter reagido depois da situação passar, quando a cabeça já esfriou. Todos nós temos isso... ou sou só eu?
Gostava de conseguir fazer uma lista de coisas que diria ou perguntaria a alguém, em situações em que às vezes me vejo metida... há coisas banais e sem importância nenhuma, tipo a empregada de caixa de um supermercado que é mal-criada até dizer chega... gostava não só de a mandar à merda (o que já cheguei a fazer algumas vezes, quando era mais nova e achava que devia perder tempo e gastar as minhas energias com um combate de boca), mas de lhe perguntar o porquê daquela maneira de lidar com as pessoas e a vida; a mãe que grita alto e impacientemente no meio de um parque de estacionamento para que os filhos entrem para o carro mais depressa; o casal que faz uma cena no meio de um centro comercial cheio de gente em volta, sem vergonha na cara; o velho caquético de 80 anos, de bengala na mão e artrite que insiste em atravessar a rua fora da passadeira, levantando a bengala em forma de protesto por os carros não lhe abrirem caminho; a cigana de saias compridas que me tenta impingir óculos de sol Prada a 20 euros (verdadeiros, claro!) usando como argumento de venda que precisa de comprar um pratinho de sopa para a criancinha que traz ao colo; aquela mulher que conversa ao telemóvel com a melhor amiga no autocarro durante o percurso de volta a casa depois de 8 horas sentada num escritório sobre aspectos íntimos e privados da sua vida, em alto e bom som para que todos os outros passageiros a possam ouvir; a empregada de loja que não nos responde ao dizermos "bom dia" e continua a limar as unhas; um colega de trabalho que tem mau hálito ou cheira a transpiração... porquê? Porque é que há tantas coisas no dia-a-dia, mesmo as coisas mais pequeninas e se olharmos bem sem importância nenhuma, mas que pensamos e não dizemos? Há coisas que entendo que nem vale a pena dizer! Mas também há outras, dependendo das situações e das pessoas envolvidas, que gostariamos de dizer ou perguntar sem nunca o fazermos... porquê?
Se eu pudesse fazer uma lista de todas as coisas que penso e que gostava de dizer ou de perguntar e não o faço, seria uma lista interminável! Ás vezes não o faço por achar que não faz sentido ou diferença nenhuma, às vezes não o faço por não me preocupar o suficiente, às vezes não o faço por só me aperceber do que poderia ter dito mais tarde, às vezes não o faço por não querer magoar os sentimentos de outra pessoa... mas a verdade é que gostava de o fazer mais, e gostava que fosse aceitável fazê-lo - quando se faz com respeito, entre amigos, com as melhores das intenções. Mas continuo a achar que as pessoas levam tudo muito fácilmente a mal, e também gostava de lhes perguntar porquê.
Concordo que vivemos num mudo em que se dissessemos tudo o que pensamos sem controle nenhum seria um caos, acho que devemos moderar as nosssas palavras e a forma como manifestamos as nossas opiniões, é uma questão de respeito pelos outros e considero arrogante dizer-se tudo quando não se tem direito a dizer tudo (nem tudo nos diz respeito!). Mas mesmo assim sinto que ainda há uma barreira enorme, mesmo entre amigos, de coisas que se sentem e se pensam mas nunca se dizem. E é aqui que este assunto mexe comigo - entre amigos, entre familiares, entre pessoas que significam muito umas para as outras e em situações verdadeiramente importantes. A empregada de caixa de um supermercado, a cigana na rua, o velho caquético, esses fazem-me pensar por vezes, mas a verdade é que não têm importância nenhuma e são apenas exemplos. Os amigos sim, são importantes. Se não posso ser honesta com eles e eles comigo, com quem então?
Há tempos falei com uma amiga ao telefone que resolveu partilhar comigo aspectos da vida - não da vida dela, mas de uma outra amiga que temos em comum. Desde relações amorosas, a emprego, a aspectos de saúde... tudo na vida dessa nossa amiga em comum a preocupava e ela resolveu partilhar essa preocupação comigo. Nada de errado nisso, se virmos bem. Mas quando se tornou claro para mim ao longo da conversa de que ela não tinha ainda conversado com a pessoa em questão nem tão pouco intencionava fazê-lo, o que parecia ser uma preocupação normal por alguém que se gosta começou a soar-me a fofoca e senti-me incomodada com aquela conversa toda. Acabei por dizer o que estava a pensar e ao que parece passei dos limites ao dizer a verdade a uma amiga que conheço há mais de 12 anos, coisa que achava poder fazer, porque ela desligou-me o telefone na cara e desde então não ouvi mais nada dela!
Esta barreira é menor na Holanda do que em Portugal tenho que dizer, e se também tive que me habituar a um tipo de frontalidade ao qual não estava habituada (e sempre me consideraram frontal e directa!), prefiro isso - preto no branco, as cartas na mesa, o saber como as coisas realmente são, o jogo aberto, o não ter que estar com cuidadinhos desnecessários, o confiar que um amigo não usa bluffs comigo. Espero isso de grandes amigos: que me abram os olhos quando tendo a fechá-los, que me sacudam quando tendo a adormecer no momento errado, que me alertem para perigos se os virem a aproximar, que me magoem se fôr preciso para evitar que eu o faça a mim mesma. Amizade e amor não têm que vír sempre na forma de coisinhas doces e cor-de-rosa. Não sejam tão cautelosos, não façam cerimónias! Sou eu, somos nós - amigos no verdadeiro sentido da palavra! Não estamos em nenhuma entrevista para um emprego, jantar com a família real ou num encontro político!
Para além disso, se há coisas que se conseguem dizer nas costas, porque não dizer na cara? Onde está a dificuldade nisso?... Falar nas costas deveria ser bem mais difcícil, não acham?

6 comentários:

  1. Gostei deste texto! =) embora partilhe de alguns dos sentimentos que aqui descreves, penso que não existe mais à vontade para se falar das coisas de forma geral, mas não porque não tenhamos vontade de falar nelas, mas porque tudo se rsume a relaçoes. Desde a relaçao que tens com amigos, até a relaçao que as pessoas tem consigo proprias. Ora se a relaçao que eu (ex.) tiver comigo é uma relaçao sem "perguntas", não vou tolerar que os outros me as façam, e muito menos se essas "perguntas" forem logo aquelas que eu proprio nao as quero fazer. Como tal é complicado viver num sitio, ou rodeado de pessoas que se "fecham" para si proprias ou para o mundo e nao se questionam. Também é verdade o que dizes que nós nao temos que a ver com tudo nos outros, mas quando alguma coisa nos diz respeito, ou nos envolve mesmo que seja de forma secundária e nao directa, temos mais é que questionar. Agora se o fazemos de forma directa a pessoa ou fazemos de forma interior depende muito da relaçao que tens com a pessoa em questao e da relaçao que tens contigo mesmo. Resumindo e baralhando lol =) todos somos diferentes e temos maneiras diferentes de lidar com as coisas, é importante sermos tolerantes com as diferenças dos outros mas nunca devemos esquecer da "nossa" liberdade, que é o unico que realmente temos de concreto. Mas para sermos livres "interiormente" temos de fazer uma coisa muito dolorosa que é enfrentar os "nossos medos" e isso é um processo...demorado, complicado e que na maior parte das vezes nao é facilemnte visivel e resolvivel....mas a isso eu chamo viver! faz parte e já vem no "pacote" ;) lol o que é importante é de vez em quando não nos esquecermos de ir tentando.

    Bjs do outro lado! ;)

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  2. "resumindo e baralhando"... ahahahah!!! gostei desta frase, é mt tua ;)
    obrigada por partilhares a tua reacção ao texto! isto é daqueles assuntos que nos teria deixado acordadas uma noite inteira na conversa! ah, saudaaaades....

    bjs deste lado para esse ;)

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  3. Eu considero-me uma pessoa sincera mas tento sempre ter sensibilidade e não deixar de ver que a minha liberdade termina onde começa a dos outros. Isso faz com que nem sempre diga o que pense a menos que me perguntem...
    Quanto às diferenças entre a frontalidade portuguesa e holandesa concordo contigo. Mas, a meu ver, aqui por vezes também se perde todo o sentido de decoro e passa-se a ser intrusivo ;-p

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  4. Há pensamentos que queremos guardar, por sabermos que não importam a mais ninguém, são como fotografias que só nós captamos. Há outros que não dizemos por cobardia, comodismo, medo de olhar nos olhos. Estes sim estão profundamente errados...

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  5. Ceres, tens toda a razão - os holandeses conseguem ser muitas vezes intrusivos, e quando o são tomo a devida distância e acho que eles percebem a mensagem ;) Também me considero sincera e frontal, também há muitas coisas que não digo mesmo que o quisesse para respeitar os outros, mas que ainda existem muitas "barreiras de silêncio" entre amigos, existem e são essas que tento quebrar. Não para invadir o espacó dos outros,não para me meter onde não sou chamada, mas sim para fortalecer essa amizade.

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  6. Ana, concordo contigo - há pensamentos que são só nossos e isso não devemos mudar. Aqueles que não se dizem, pelos motivos que referiste e, muitas veses por preguiça, esses são os silêncios que condeno principalmente entre amigos. Numa amizade devia poder-se dizer tudo, não? Quando as intenções são puras e honestas, quando o nosso melhor interesse está no bem-estar de um amigo porquê ficar-se calado?... ou dizer-se o que se pensa a outros em vez de à pessoa em questão, como há tantos que o fazem?... é aí que falo de "fofocas" e essas dão-me alergias e dores de cabeça...

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