28.2.13

V


(photo by ?)

Ele era os brinquedos com que brincou, os jogos que jogou, as palavras que aprendeu mais depressa, os primeiros passos que deu, os nervos à flor da pele, os segredos que guardou, os lugares por onde andou, o acidente que sobreviveu, a única conversa séria que teve com a mãe, a rejeição que sentiu do pai, o amor inexplicável que viveu, a saudade do que nunca teve, a infância que recordava e tentou esquecer, a dor que sentiu por ter falhado, a pena de não dizer o que devia no momento certo, as lágrimas que chorou, a relação difícil consigo mesmo, o abraço inesperado de um amigo, a sensibilidade exagerada pelas coisas erradas, a paixão imensa nos momentos certos, as palavras ditas em vão, as gargalhadas dadas em momentos de paz, a pele de galinha ao ver uma mulher bonita, a raiva por não ter chegado mais longe, a frustração de não conseguir mudar e a revolta por querer mudar quem era, o desprezo por si mesmo, a desilusão nos outros, o ódio que tantas coisas lhe causavam, o cansaço da desistência, a fraqueza de não tentar mais uma vez, os caminhos que procurou e destruíu, os atalhos que queimou e percorreu, as roupas que vestiu, o que curtiu e como sofreu, a forma cansativa como se levantou para se deixar caír outra vez, um círculo vicioso de inseguranças, medos e sonhos.

Ele era o que viu no espelho todos os dias e tentou esconder de quase todos, nunca fugindo de si mesmo. Era o sonhar acordado e não conseguir viver um sonho, era a forma como optou por definir a sua vida e como escolheu morrer- sem mais nada a fazer.

Ele era as lágrimas que ainda deixo caír em momentos de recusa, o riso mais puro em momentos de retrospectiva.

Ele era o que mais ninguém vê, porque há coisas que se esquecem com o passar do tempo.
Ele era o que eu me lembro dele.

Há quem diga que sonhos e memórias vivem para sempre. E enquanto já aprendi a deixar alguns sonhos para trás, as memórias vivem comigo.

Ele É essas memórias, e hoje vive - em mim.