30.11.12

Um pedacinho de 1992





Monkey Gone to Heaven, Pixies
Ás 24h00m chegamos as 4 juntas ao Bairro Alto. Mais cedo do que é costume, mas naquela noite queríamos encontrar o TóZé e sabíamos que depois da 1h00m só ele mesmo sabe onde pára... nas noites em que sabe, tenho a certeza que muitas vezes até ele anda perdido ou a fugir de alguém!
Na esquina de sempre, encostado à parede lateral do Mescal lá o vimos, com a t-shirt da O'Neil vestida que usava desde que o conheço, por isso parto do princípio que não seja a mesma, uma vez que fui apresentada ao TóZé dois anos antes, em 1990! De cabelos compridos encaracolados, calças de ganga impecávelmete limpas e ténnis All Star pretos. O TóZé - dos pés à cabeça! Aquele look é a sua assinatura. Bem, aquele look e a qualidade excelente da erva que vende. A verdade é que não são os atributos físicos do TóZé ou a roupa que veste que fizeram com que nos conhecessemos!
Depois de um diálogo sobre tudo e nada, entrámos com ele no Mescal para o shot de Kalashnikov da praxe. E mais um, e mais outro. 45 minutos, 15 shots e 10 cigarros no total depois, fomos juntos para o miradouro onde o "nosso TóZé" nos ofereceu um charro. Mais uma hora passou, entre fumo e risos, até que o TóZé se afastou lentamente do banquinho de jardim onde nos sentáramos e acabou por desaparecer das nossas vistas. Nem ai nem ui, nem um até já ou um adeus. O TóZé - tal e qual! Nunca sabemos por onde ele anda, nem por onde vai andar, se o vamos voltar a ver nessa noite ou noutra qualquer... acabamos sempre por o encontrar, é um facto, mas a verdade é que desde que o conheci nunca sei ao certo se o voltarei a ver, ou se um dia ele se afastará lentamente de tudo o que conhece e desaparece algures no mundo, da mesma forma como fez nessa noite ao afastar-se de nós - subtilmente, como quem não quer a coisa, e com um cuidado extremo para não ser seguido. Apesar de sentir uma simpatia enorme por aquela figura, sempre soube que o perguntar "onde vais?" ou "vais estar aí ámanhã?" não faria sentido uma vez que a nossa relação não era de amizade. Partilhávamos um respeito e confiança enormes, mas não se pode dizer que fossemos amigos. Por isso lá o via afastar-se, sempre com alguma pena em vê-lo ír e também dele, mas não sei bem porquê... acho que se a solidão tivesse um rosto, seria o dele.
Meia-hora mais tarde, muitas gargalhadas e conversas filosóficas depois, resolvemos ír beber um copo ao Perfil, o nosso local habitual naquela época. O som de Pixies ouvia-se da porta e a pressa em entrar aumentou ainda mais! Fomos olhadas de lado e de alto a baixo pelas pessoas que já se encontravam ali à porta há algum tempo quando nos viram chegar, cada uma a dar 2 beijinhos ao Nuno e a entrar. E soube bem! Desculpem a todos que ainda têm de esperar e secalhar para nada, mas o Perfil tornara-se naquele ano a nossa segunda casa. Podia estar a rebentar pelas costuras que havia sempre lugar para nós. A verdade é que fazíamos a festa, mesmo em noites em que já estava tudo a "morrer". Aquela noite não foi o caso, quero dizer, fizemos a festa como sempre, mas o ambiente estava melhor do que nunca! A música estava sempre ao nosso gosto que quase podia ser que fossemos as dj's de serviço, desde Pixies, Bauhaus, Cure, Doors, Nirvana, Clash, tudo o que nos movia estava presente naquela noite. E curtimos as 4 de uma forma tão intensa e alegre, quase como se soubessemos que seria a última noite que íamos estar juntas - as 4. A verdade é que dois dias depois passamos a ser 3. As mesmas 3 de antes, mas sem a 4a parte que nos completava. E nunca mais foi o mesmo. Aliás, foi tão difícil para cada uma de nós lidar com a falta da M., que o estarmos as 3 juntas sem ela se tornou doloroso demais. E acabámos por nos afastar umas das outras. De 4 passámos a 3, e de 3 passámos a uma para um lado, outra para outro, e mais uma sabe-se lá por onde!...
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Nothing Lasts Forever, Echo & The Bunnymen
A forma como tão facilmente algo espectacular e bonito se pode transformar num pesadelo, num vazio, num luto é assustadora. Põe muitas coisas em perspectiva e deixa-nos a sentir vulneráveis e perdidos. Dessa época da minha vida guardo duas coisas muito importantes: a amizade entre mim e 3 mulheres únicas e especiais que nunca esqueci, e a lição que tive cedo demais, de que tudo passa muito depressa e de que um dia para o outro tudo se pode tornar completamente diferente da realidade como a conhecemos, deixando-nos perdidos numa rua escura à chuva, sem saber em que direcção ír.
Há pessoas que nunca esqueci e que em diferentes fases da vida pensei nelas e até procurei "apoio" nelas, ou na memória dos tempos vividos com elas. Essas 3 mulheres foram assim. Depois da morte da M., do afastamento entre nós 3, e com o passar dos anos nunca mais as vi nem soube delas. E ao fim deste tempo todo ainda me lembro e recordo momentos que vivemos juntas. Ás vezes pergunto-me por onde andarão, se serão felizes, se estarão bem, se também ainda pensam na M. da mesma forma que eu e se recordam e guardam aqueles tempos com o mesmo cuidado e carinho que eu.
Eu guardo. E sei que vou guardar sempre. E hoje, por ser uma data que recordo ao longo destes anos com um peso no peito e uma saudade enorme, apeteceu-me falar delas.

"P., sinto a falta do teu espírito alegre e optimismo, da alegria com que sempre olhaste para a vida! J., nunca conheci uma mulher tão bonita como tu em todos os sentidos da palavra e sinto muitas vezes a falta de momentos em que passeávamos juntas e me davas a mão, num gesto de cumplicidade e segurança! E M., nunca soube o porquê... mas sempre senti um brilho triste e perdido no teu olhar... olhando para trás, adorava ter tido naquela altura das nossas vidas a consciência disso que tenho hoje. Mas não tinha, nenhuma de nós tinha. E apesar daquele brilho mais solitário que distinguia o teu olhar do nosso, foste sempre para todas nós, a mais forte, especial, a mais importante. E a verdade é que com a tua partida também o nosso grupo morreu..."
Guardo de nós 4 aquilo que sentíamos e vivíamos quando estavamos juntas - união, partilha, amizade, loucuras, descobertas, cumplicidade, confiança, experiências novas, risos, lágrimas, sonhos e uma paixão extrema por tudo o que nos movia. É tudo isto, e muito mais que não consigo exprimir por palavras, que sinto ao pensar em nós 4 e que vejo sempre ao olhar para a foto que tirei de vocês 3 naquela noite, encostadas umas às outras, no banquinho do miradouro. Eu não apareço na foto, mas também estou lá. Carreguei no botão que disparou o flash da minha máquina kodak e guardando não só aquele momento, mas os nossos olhares e tudo o que éramos quando estavamos juntas, para sempre.

Com saudades,
Raquel.







16.11.12

Entre as páginas de um livro

Há uns dias atrás peguei num dos muitos livros que tenho na minha estante para que, ao fim de alguns anos voltasse a lê-lo. Conheço-o bem, de trás para a frente, mas há certas histórias que me fazem querer voltar...
Há bocado, entre o capítulo VI e VII, ao virar a página, encontrei algo guardado, escondido e esquecido, protegido, entre as páginas deste livro - uma fotografia nossa e um mal-me-quer espalmado e seco. Lembrei-me imediatamente do momento em que a fotografia foi tirada, por quem foi tirada, porque a guardei entre as páginas de um livro e porque escolhi guardá-la entre as páginas 143 e 144. O mal-me-quer junto a ela, foi apanhado por ti num canteiro bonito no meio de um lugar perdido na cidade de Lisboa. Lembro-me que, sem dizeres uma palavra sequer, o colocaste carinhosamente entre a minha orelha e os meus cabelos. Então sorriste e disseste-me: "És linda!".
Á bocado, de livro aberto no colo, fotografia e mal-me-quer nas mãos, fiquei a chorar durante uns 5 minutos, sem parar. Lágrimas de saudade e de alegria, por termos vivido um momento como aquele, naquele dia.
Fechei o livro, com a fotografia e o mal-me-quer guardados novamente no lugar certo, e pu-lo na estante. Este não consigo ler agora. A recordação, por melhor que seja, foi tão forte que não vou conseguir ler nem mais uma frase a concentar-me na história... não na história do livro pelo menos, e a nossa história não quero "ler" agora...