17.9.09

O Homem estátua

(photo by ?)

Lembro-me de ter uns 7 anos de idade e de passear com os meus pais e irmã pela Baixa de Lisboa, numa manhã de sábado em que cumpríamos o ritual de, juntos, tomarmos o pequeno-almoço na pastelaria Nicola, fazermos as comprinhas no Jerónimo Martins, brincarmos com instrumentos de música nas lojas Valentim de Carvalho e de passearmos tranquilos por aquela zona linda da cidade. Andávamos os 4 juntos e ríamos, conversávamos, os meus pais contavam histórias, eu e a minha irmã discutíamos por uma coisinha de nada para 2 minutos depois andarmos de mãos dadas esquecidas do que tinha causado aquela briguinha sem importância nenhuma, passávamos horas em lojas de livros e de música e nunca nos cansávamos!
Não guardo muitas recordações da minha infância. Não sei porquê, mas até aos meus 9 ou 10 anos é tudo muito vago. Mas lembro-me de algumas coisas, ou pelo menos da forma como elas me faziam sentir na altura - feliz e segura. Uma delas eram estes passeios pela cidade com a minha família, aos sábados de manhã. Conhecem aquele cheiro da cidade, numa manhã de sol em Outubro? Esse mesmo. Consigo sentir esse cheiro só de me lembrar daqueles passeios!
Foi num desses sábados, ao passear com os meus pais e irmã na Baixa de Lisboa que vi um homem-estátua pela primeira vez. Enfiado num fato de linho de côr branca, com a cara toda pintada de branco, sapatilhas de ballet brancas e um lenço bastante longo e feminino na cabeça (branco!). Deu-me vontade de rir, vontade de me deixar ficar em frente a ele e observá-lo durante horas seguidas e ao mesmo tempo (e este foi o sentimento mais dominante) senti dificuldade em olhá-lo, como se o facto de eu me deixar ali pasmada a olhar para ele fosse falta de educação, como se isso podesse causar-lhe algum desconforto ou vergonha... achei que ele podia sentir-se envergonhado se eu o ficasse a olhar durante muito tempo... mesmo 10 segundos já seria tempo a mais, achei! Um homem-estátua é algo que não se fica a observar, é algo que se vê. De relance, enquanto se anda pela rua e se lhe passa ao lado. Foi isto que pensei e senti naquela altura, e foi nesse momento que percebi que o homem-estátua me transmitia alguma pena... secalhar nem era necessário eu sentir-me assim em relação a ele, quero dizer, quem não gosta mesmo de estar no centro das atenções, não se vai vestir daquela maneira e pôr-se em cima de um banquinho de cozinha, horas a fio sem mexer um músculo, no meio de uma rua movimentada de Lisboa! Pois não? Mas receber atenção também não pode ser o único motivo atrás da razão que leva alguém a fazer isso. Quem gosta mesmo de atenção gosta de mostrar a cara também. O homem-estátua é anónimo. Respeito no entanto o facto de um homem-estátua ser discreto, não é como os palhaços do circo que nos sufocam com actos ridículos para chamar a atenção. Esses sim, são tristes e dão-me vontade de rir. No pior sentido possível!
Há uns meses atrás estive em Lisboa e fui saír com uns amigos. Nessa noite andamos por sítios onde andei nos tais sábados de manhã com a família. E nessa noite vi um homem-estátua. Numa rua pouco iluminada e deserta àquela hora da noite, não olhei bem para ele, vi-o só de relance, como fazemos quando já não se tem 7 anos de idade. Mas fiquei a pensar nele enquanto descíamos pela rua abaixo, e mais uma vez perguntei-me porque é que alguém faz aquilo. Não sei mesmo. Admiro a dedicação e esforço, tanto físico como mental que algo do género requer, mas este admirar não é suficiente para deixar de me perguntar o porquê. E também nunca me lembrei de o perguntar a um homem-estátua, uma vez que não se é suposto falar com um homem-estátua. Eu pelo menos não os acho muito convidativos a uma conversa. E mesmo que o fossem, provavelmente eu nunca o perguntaria. Eu também não sou muito convidativa a uma conversa com estranhos. E a verdade é que nem me interessa muito. É mais curiosidade no momento do que interesse.
Mas mais do que talvez perguntar porque é que fazem aquilo, o que eu gostava mesmo de fazer muitas vezes é de distraí-los, fazê-los rir, estragar-lhes o acto, provocar-lhe uma reacção, fazê-los de suar de nervos ao tentarem não se mexer, fazê-los chorar! Não, não sou sádica. A verdade é que nunca o fiz (ainda, pelo menos)... tenho é uma imaginação fértil e isso até nos valeu a todos umas boas risadas naquela noite!
Só o homem-estátua é que não se ri. E mesmo aqueles que o fazem, na maior parte dos casos não se riem de verdade, é apenas um efeito criado por maquilhagem. Os poucos que mostram algo parecido com um sorriso, fazem-no com o olhar e são esses que me fazem perguntar no que é que pensam enquanto olham para as pessoas que se movimentam de um lado para o outro nas ruas. Ás vezes tenho a sensação de que pensam algo como "vocês nem sabem o que perdem", como quem tem a sabedoria de dois aspectos da vida com ritmos diferentes e opostos, enquanto todos nós só sabemos como é andar de um lado para o outro a ritmos alucinantes. Até entendo que pensem e sintam isso, se fôr esse o caso, mas eu prefiro outras formas de encontrar a minha calma. Quando leio um bom livro, vejo um filme interessante, visito o blog de uma amiga minha que me fascina cada vez mais pela forma como olha para as coisas e as fotos que faz, converso com o meu melhor amigo ao telefone durante horas, revejo fotos de férias ou oiço música que goste consigo também afastar-me do mundo e das coisas, a um ponto em que me sinto distante de tudo. Nunca o conseguiria fazer no meio de uma rua, vestida como quem vai para um baile de máscaras, com a cara pintada e a convidar olhares. Tenho a certeza de que sentiria despida, nua, desprotegida. Secalhar era o sentir-me assim que me permitiria ficar ali aterrorizada e "congelada", horas a fio sem mexer um músculo!

2 comentários:

  1. Olá
    se visitares a minha webpage talvez consigas entender um pouco mais sobre a quietude enquanto arte. www.staticman.org
    Cumprimentos
    Antonio, o homem-estátua

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  2. Há quem goste de atenção sem gostar de mostrar a cara ;) Espero que o antónio não seja o homem estátua que tu cruelmente torturaste naquela noite.

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