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Sempre que vou a casa de alguém pela primeira vez reparo, e acho que mesmo que tentasse não o fazer repararia na mesma, em que tipo de coisas é que elas lêm. Muitas vezes surpreendo-me não pelo que lêm, mas pelo facto de não lerem - não há livros, jornais, revistas, nada. Outras vezes dá-me vontade de rir quando os únicos livros que vejo têm lombadas coloridas e estão colocados numa prateleira perto do fogão. E tantas outras vezes, seja em casa de pessoas que não lêm nada ou de pessoas que só lêm as notícias sensacionais nos jornais baratos (do género: "A Rainha Beatrix visitou, ontém de manhã, uma loja de calçado em Amsterdam" - a sério?!!??! e ninguém me avisou a tempo?) dou por mim a sentir-
-me indignada com a quantidade industrial de revistas... bem, detesto a palavra, mas aqui chamam-nas de revistas femininas (ui, só o nome dá-me uma ligeira dor de cabeça). Revistas tipo Caras, Cosmo, Olá!. Revistas Femininas diz tudo, não diz?
Ao que parece as revistas femininas dizem tudo, sim! Dizem tudo o que é necessário saber para uma vida com grande sucesso profissional, amizades eternas, vida social animada, filhos e marido felizes, uma casa de sonho e uma vida sexual saudável (principlamente quando as leitoras já passam dos 60 e lhes é prometido e ensinado, normalmente através de 10 fantásticas dicas como ter uma vida sexual de uma mulher de 30!). Já dei por mim em casa de pessoas que conheço a sentir-me pasmada pelo facto de terem a mesa da sala cheia destas revistas... tipo sala de espera. Não há nenhuma sala de espera que não tenha uma mesa colocada no centro de um círculo de cadeiras incómodas cheia de revistas destas. Seja no dentista, no consultório médico, num balcão de serviços públicos, no veterinário ou (a minha preferida) no ginecologista, lá está a mesa cheia de material interessante para se ler enquanto se espera por uma consulta para a qual nunca se tem a mínima paciência, como quem está de castigo. Uma sala de espera só seria interessante, no verdadeiro sentido da palavra, num filme do Lynch. Ou se tivéssemos na companhia de uma daquelas amigas que também gosta de se rir de situações incrivelmente chatas, mas essas nunca nos lembramos de convidar para uma ída ao médico.
E o que é que os homens que também enfrentam uns 20 minutos (com sorte) numa sala de espera têm para ler? Vejamos... revistas com motas, automóveis rápidos e gajas boas em anúncios a cerveja. Ainda bem, os desgraçados, imaginem lá um homem com uma "revista feminina" nas mãos... seria o mesmo que eu a tentar ler um texto em árabe! Á primeira vista parece interessante e bonito, mas está tudo em código e não se percebe nada. Para ser sincera, dêem-me a revista com os carros e as gajas boas, pelo menos posso folheá-las sem que nenhuma lição para a minha felicidade me seja impingida. E já agora, eu não preciso de ler o meu horóscopo para saber como a minha semana está a correr, basta olhar-me em volta - estou numa sala de espera a passar uma séca enorme e este textozinho diz-me que o signo de escorpião terá uma semana rica em novas aventuras e desafios. Sim, que aventura excitante está a ser esta espera sem fim!
Enquanto espero (e que mais há para fazer numa sala de espera?) não consigo evitar fazer um scan muito rápido do ambiente. Já aconteceu, confesso, não havendo nada que me possa entreter esconder-me dentro de uma destas revistas. Como são informativas! Estão lá todas as dicas em como alcançar tudo o que se deseja. O leitor vê-se confrontado com um teste constituído por um grupo de perguntas, para as quais tem 5 diferentes possibilidades de resposta. Depois de fazer o teste, é só ver qual é o resultado! Tão bom, imaginem lá se estas coisas não existissem, como é que poderíamos saber se estamos felizes com a nossa vida amorosa/ profissional/ sexual!? Estes testes dão ao leitor, na maioria das vezes, o resultado que ele espera e quer ouvir, mas quando a regra falha não faz mal! Lá vem um artigo muito interessante na página imediatamente a seguir em como modificar e melhorar essas mesmas áreas da vida. Fantástico! Revistas femininas... quem leu uma, leu todas. E mesmo assim, há quem as compre diáriamente.
No fim-de-semana passado fui ter com uma amiga minha a Hoorn para um cafézinho, e a caminho da paragem de autocarro para fazermos o regresso a casa ela sai-se com esta: "Tenho que parar no quiosque para comprar a Margriet" (uma das revistas mais vendidas na Holanda e uma das piores coisas que já vi na vida!), "parece" - continou, "que vem lá um artigo esta semana sobre carreira e filhos que é interesante!" Precisavam de ver o entusiasmo dela. E precisavam de ver a minha cara. (Detalhe curioso: ela não trabalha nem tem filhos, mas é sempre bom aprender algumas coisinhas novas para se poder formar uma crítica forte em relação à vida dos outros).
Quem não sabe a quantas anda não vai encontrar o que precisa numa revista!
O que estas revistas deviam receitar em vez de conselhos baratos, lições de vida inúteis e prozac, devia ser para não se acreditar em tudo o que se lê, ouve e se diz. Para se duvidar mesmo do que se pensa, pois os nossos instintos estão tantas vezes errados. É melhor nem sempre nos levarmos tão a sério, é quase arrogante fazê-lo e a vida sem uma boa dose de humor não tem mesmo piada nenhuma. Fazer coisas novas e diferentes todos os dias, mesmo quando o horóscopo nos diz para sermos cautelosos esta semana, aprender a rir-se de si mesmo, dançar ao som de uma música que se gosta quando mais ninguém está a ver, divertir--se com um grupo de amigos, olhar para o mundo com uma mente aberta e explorar o nosso mundo interior, ser verdadeiro a nós mesmos, viver sem medos nem reservas.
Mas uma revista assim não venderia tão bem - as pessoas gostam que lhes seja dito o que precisam de ouvir, mesmo que seja mentira e é isso que nunca ninguém diz nas revistas.
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