Nunca entendi muito bem estas coisas. Entendo que se cometam erros na vida, que se tomem decisões erradas, que se possa arrepender de algo que se tenha feito a alguém, que se tenha passado do nível durante uma festa com os amigos e se acabe a dançar em cima de uma mesa uma daquelas músicas que, não fosse o efeito do álcool nunca gostaríamos de ouvir, entendo o passar a noite com um estranho atraente por pura diversão e aventura, entendo isso tudo. O que eu não entendo é o porquê de o querer fazer com uma equipa de filmagens à volta, para que tudo o que façamos e digamos seja visto por milhares de pessoas. Pessoas que desconhecemos, mas também pais, irmãos e irmãs, avós e avôs, e mais grave, filhos e amigos de escola dos filhos!...
Há umas semanas atrás estava em Lisboa a beber café com um amigo meu e falámos deste assunto e eu expressei mais uma vez a minha incompreensão. Até gostava de conhecer alguém que tivesse participado em algo do género para fazer algumas perguntas - não para criticar ou julgar, mas por puro interesse e curiosidade! E ao falarmos disto, esse meu amigo disse só isto: "se não apareces na televisão, não existes." Achei brilhante. É isso! - as pessoas que participam neste tipo de programas querem de facto ser vistas, precisam que o mundo inteiro veja o que elas estão a fazer, de serem reconhecidas na rua depois do programa ser emitido (nem que seja com mau nome), para sentirem que valem alguma coisa, que a vida delas é reconhecida por outros seja de que forma fôr. Se se faz algo sem ninguém saber, então é como se não tivesse acontecido... é assim que pensam, não é? E será que têm consciência disso?... É fascinante, e muito triste por tudo o que isso significa, vivermos numa sociedade em que se não houver testemunhas para o que acontece as pessoas sentem-se como se não fosse real, como se os acontecimentos não importassem.
Num dia diferente, mas por acaso na companhia do mesmo amigo com quem tive essa conversa (parece que alguma força do universo se encarrega sempre que coisas insólitas, cómicas, estranhas, aconteçam em momentos que possamos testemunhar juntos!), estava sentada numa esplanada de Lisboa, a beber um café quando vimos um casalinho recém-casado na praceta onde a esplanada estava situada. A passearem de um lado para o outro, ele com um ar estranhamente triunfal e vencedor e ela com um ar cómico e triste ao mesmo tempo, a segurar as pontas do vestido extremamente comprido que já estava mais preto do que branco (olha que metáfora linda!), seguidos de pombos sujos e carregados de doenças e o fotógrafo - sim, o fotógrafo de casamentos como manda a regra: com o fato errado vestido, a gravata errada, os sapatos errados, peso a menos e com o aspecto característico de qualquer fotógrafo de casamento (as bandas de casamentos também têm isso, curiosamente). E ao ver isto não pude evitar pensar no porquê de duas pessoas quererem para o dia do seu casamento, passear no meio da zona antiga da cidade de Lisboa, entre turistas e lisboetas de olhos postos neles. E "reality tv" foi o que me veio à cabeça novamente, por achar que não estava perante uma situação muito diferente na sua essência.
Estamos ali os dois, eu e o meu amigo naquela esplanada agradável a ouvir a deliciosa voz africana de um cantor de rua e a ver o casalinho recém-casado a tirar fotografias em poses românticas e forçadas que mais tarde serão coladas às páginas de um álbum de fotografias de capa branca e onde se pode ler escrito a dourado "O nosso casamento", e dada a altura do ano lembramo-nos das "noivas de St. António". Ora aqui está uma coisa que me dá vontade de gritar, chorar, rir, levar as mãos à cabeça... o casamento - em massa! Com cameras de tv que garantem o aparecimento de tal ocasião em todos os canais de televisão do nosso belo Portugal, telejornais, youtube e afins. Até já estou a ver: uma família toda reunida em casa, sentada em frente à televisão durante horas, à espera que aquele momento que dura 2 segundos aconteça, aquele momento que faça o dia de casamento valer alguma coisa, aquele momento em que uma tia ou uma avó gritam: "olha, és tu ali! vês, no cantinho do televisor, tá ali o teu braço, oh Manel já viste a tua filha ali tão linda?". Isto sim, um momento familiar a sério! O orgulho geral por uma união entre dois jovens e as suas famílias, perante o país inteiro! Que bonito, que romântico é casar no dia de St. António, que maravilha! (o que sinto é algo do género: kill me, kill me now... o que agora me lembra o Dia dos Mortos festejado no México, mas isso fica para outro dia!...).
Hoje acordei a pensar nisto. E enquanto escrevo e bebo o meu cafézinho, saltam-me na cabeça 300 mil ideias cómicas, surreais, absurdas e mesmo doentes para programas de televisão... e por pior que o meu humor negro consiga ser em dias como este, tenho a certeza que qualquer uma das ideias que estou a ter levaria milhares de pessoas a querer assistir e a participar neles, nem que fosse a última coisa que fizessem na vida. Desde que o mundo assistisse.
Olá raquel,
ResponderEliminartem um tempinho que não passo por aqui, não é mesmo?
Olha esse seu texto me fez rir muito. Rir pq realmente, pq reality show consegue ser ridiculo e ter enorme audiência, mas na verdade ainda dou um disconto, eu penso. Tudo bem, estao atrás da grana... E o que dizer das pessoas que se expõem na Tv com a maior cara de pau. Exemplo: Festivais de verão. Um dia assistindo a um desses festivais de verão, uma competição da garota molhada, aquelas que as "senhoritas" ficam com suas blusas brancas, sem nada por baixo, rebolando e se encharcando de água... Uma das meninas, para não perder a tão emocionante compretição tirou a blusa.
Um dos rapazes subiu ao pauco totalmente nú, e começou a pular corda... Eu só posso ter pena! E pedir que meus futuros filhos tenham autoconfiança e conciencia de que este tipo de atitude não o faz melhor em nada, pelo contrário...
É decepcionante, ver pessoas tão jovens de expondo desta maneira, e ainda acharem que estão SUPER NA MODA!
Não tenho nem muito o que dizer.
Parabéns pelo texto.
Até mais,
Eliete
Desculpa, errei feio. Um dos rapazes subiu ao PALCO!
ResponderEliminarEscrevi errado ;)
Oi Eliete! Ainda bem que voltaste aqui ao meu espacinho para ler, e ainda bem que te fiz rir! Confesso que ontém ao escrever este texto também tive deliciosos momentos de riso!!! Felizmente, porque no dia em que este tipo de coisas só nos derem vontade de chorar (de pena!) aí sim, o mundo tá perdido! Ahahah ;)
ResponderEliminarBjs e até mais!