9.11.10

Distance Makes the Heart Grow V

                        
Breathless, Cat Power
Tinham passado 5 dias. A manhã acordou com um sol brilhante que aqueceu as ruas da cidade, fazendo o frio dos últimos dias caír em esquecimento. O apartamento estava silencioso e, apesar do sol que entrava pela janelas da sala iluminando o chão de madeira e as paredes em tom de pérola, sentia-se fria e vazia... Vazia era agora a casa onde passara 5 dias inesquecíveis, pensou- e o seu peito estava tão vazio, que pesava. Nada mais sentia que isso, e sentir algo menos naquele momento teria sido impossível.

Acordara horas antes, quando ele se levantou ao som do despertador programado no seu telemóvel para as 6 horas da manhã. Acordaram ao lado um do outro, como acontecera nas manhãs que antecediam este momento, mas acordaram em silêncio. Um silêncio muito diferente daquele que haviam já partilhado. Um silêncio sem expectativa, sem sedução, sem mensagem. Apenas silêncio.
Como partiam os dois nesse dia, embora que em horários e vôos diferentes devido ao facto dos destinos de regresso não coincidirem, levantaram-se e de uma forma quase mecânica, começaram a arrumar roupas, livros, objectos pessoais, cada um a fazer a sua mala - em silêncio.
Ele olhou-a no momento em que ela se virara para o roupeiro para de lá tirar as suas roupas, e lembrou-se do vestido que ela agora segurava perto da mala de viagem, e que vestira na noite anterior ao jantar. Ele achava-a sempre bonita e gostava do facto dela ser descontraída e de gostar de vestir calças de ganga e ténis, não usar maquilhagem ou muito pouca. Era a beleza natural dela que o atraía mais. A verdade é que a achava extremamente sensual e feminina, mas depois de a ter visto com aquele vestido comprido na noite anterior, aberto nas costas até um pouco abaixo da cintura, viu uma elegância e maturidade de espírito que o deixou sem fala. Sabia que ela possuía essa qualidade, mas ao vê-la chegar à sala de estar, onde ele esperava há uns 15 minutos dizendo algumas vezes: "Reservei mesa para as 8 horas!" numa delicada chamada de atenção para o facto de ela se estar a demorar, ao vê-la aproximar-se dele lentamente e perguntar-lhe: "O que achas?" voltando-se de costas para ele numa lenta piroeta provocadora, acentuando os pontos fortes do vestido. Ele expirou ao ver o vestido por trás, que exibia as costas despidas dela e as curvas naturais da cintura e ancas. Levantou-se, dirigiu-se a ela em passos largos e beijou-a.
"Vamos ficar antes aqui? Eu desmarco a mesa...? O que te parece?"- sugeriu ele, com um olhar desafiador.

E enquanto ela se movia de um lado para o outro do apartamento, a fazer a mala e a procurar coisas das quais se pudesse ter esquecido em qualquer uma das divisões, ele voltou a deixar-se perder na recordação da noite anterior, como fizera momentos antes ao vê-la guardar aquele vestido lindo na mala, que horas antes ele despira do corpo dela...

Era a última noite deles naquela cidade e ele insistiu, mais uma vez, para fazer o jantar. Dirigiu-se para a cozinha para preparar um algo ligeiro para os dois, enquanto ela descalçou os sapatos de salto para se sentar com os pés em cima do sofá. Apesar dos planos se terem alterado e terem decidido ficar em casa, ela deixou-se ficar - mesmo que descalça, de vestido. Antes de se sentar, colocou um vinyl no gira-discos e abriu uma garrafa de Pinot Noir para os dois. Deixou-se ficar sentada, a ouvir a música que tocava misturar-se com os sons de pratos e utensílos vindos da cozinha, e o assobio constante no ar que ele emitia sempre que estava na cozinha a preparar algo, fosse uma refeição de três pratos, ou uma torrada com manteiga. Ele gostava de cozinhar como tantas vezes lho dissera em conversas, mas foi ao vê-lo na cozinha nos passados dias que se convencera de facto que era uma paixão dele. "5 minutos!"- chamou ele da cozinha. Ela acendeu umas velas por cima da mesa pequena da sala, junto ao sofá, e jantaram ali os dois -sentados no chão, encostados ao sofá, e com os pratos ao colo. Jantaram, conversaram, riram, beberam mais um vinho, dois whiskys a seguir ao café, e quando ele acendeu um cigarro colocando um braço por cima dos ombros dela, num gesto que ela reconheceu como sendo "vamos fumar o cigarro juntos", ele perguntou-lhe: "Também estás tão triste como eu?". Olhou-a numa expectativa comovente, de quem passara as últimas duas horas a segurar aquela pergunta, sem coragem para tocar no assunto. Em resposta, ela tirou-lhe o cigarro de entre os dedos, colocou-o no cinzeiro e pôs os braços dele á volta do seu corpo. Deixou-se ficar encostada ao peito dele, sentindo-se abraçada e protegida, e por momentos acreditou que nada a fosse magoar. Olhou-o nos olhos e não foi capaz de dizer nada. Não precisava, ele via agora a tristeza dela, que chorava encostada ao seu ombro. Deixaram-se ficar assim por uns momentos, agarrados um ao outro com aquela força que só quem está prestes a ser separado usa. Ouviram-se, limparam as lágrimas um do outro, beijaram-se e voltaram a rir ao recordar os dias que passaram juntos e como tudo começara uns meses antes. Declararam e afirmaram com as letras todas o que sentiam um pelo outro e prometeram voltar a encontrar-se muito em breve, com a intenção desse vír a ser um encontro de tempo indefinido.
Fizeram amor no chão da sala, durante horas,  com uma paixão como se não houvesse dia de ámanhã.

"Não te esqueças daqueles sapatos"- disse-lhe ela, apontando para um par de ténis dele que ainda estavam dentro do roupeiro. Ele agitou os pensamentos da noite anterior para fora da sua cabeça e pegou no ténis para os arrumar na mala.
Uma hora mais tarde chegavam ao aeroporto de taxi. A tensão foi aumentando com passar dos minutos, e depois de uma curta espera para que ele fizesse o check-in, olharam-se e despediram-se em silêncio. Beijaram-se, sorriram de alegria um para o outro e já não foi preciso dizer nada. Tinham dito já tudo um ao outro que havia para dizer.
Mais tarde quando ela se encontrava novamente no apartamento agora vazio e grande demais só para ela, a fazer horas até ter que ír para o aeroporto outra vez nessa noite, olhou para o espaço vazio que ainda horas antes ele ocupara. E sentiu uma tristeza enorme ao olhar para o lugar onde se tinham sentado juntos nos dias que passaram, o lugar no chão ao lado do sofá onde jantavam e conversavam durante horas, todos os cantinhos da casa onde tinham feito amor... 
Resolveu ír esperar as próximas horas para o aeroporto. Estar ali sózinha na casa onde passara os últimos dias com ele, estava a ser difícil demais.

Acordou umas horas mais tarde com o som e batida das rodas do avião na aterragem. Torceu o nariz para si mesma quando os passageiros soltaram um aplauso, coisa que ela nunca achou necessário fazer. Lá fora chovia e estava um dia cinzento e ventoso. Um motorista de taxi ajudou-a a colocar a mala no porta-bagagens e perguntou para onde ía. Deu-lhe a morada de sua casa, e deixou-se encostar no banco traseiro do carro, de olhos fechados. Agora só queria chegar a casa, tomar um banho quente, comer qualquer coisa e ligar-lhe a dizer que tinha feito boa viagem. Perguntava-se como ele estaria. Sabia que ele tinha feito boa viagem pois recebera um sms umas horas antes, mas precisava de ouvir a voz dele.

Deviam ser umas 22.30 quando se sentou tranquila no seu sofá, a fumar um cigarro e a beber um Cardhu sem gelo de um pequeno copo de balão, pegou no telefone e marcou o número dele. "Estou?"- sentiu um calor no peito ao ouvir a voz dele do outro lado e sorriu de alegria quando ele, sem que ela tivesse tido tempo para falar, perguntou se era ela!...

(continua)

1 comentário:

  1. Anónimo10.11.10

    R, sabes escolher tão bem cada palavra!
    Adoro lêr, mas nem tudo me prende...
    Leio tudo que me peçam para lêr, mas apenas com muita satisfação, quando encontro tanta sensibilidade, um texto bem escrito e uma história envolvente...
    Bjs xxxx

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