21.11.09

Já não se pode comprar um maço de cigarros bonito. As embalagens de cartão ou de papel clássico com o nome da marca de tabaco escrito junto a um emblema que distingue uma marca da outra, foram substituídas por embalagens de cartão aparentamente iguais, mas o que as define agora já não é o charme e o romantismo que o fumo de um cigarro pode ter, mas um aviso gigante, com letras a preto e branco, para os riscos de fumar. Como se ninguém não o soubesse há muito tempo! Se estão assim tão preocupados com a saúde das pessoas, deixem de vender a droga em vez de a comercialisarem - com um avisozinho para os riscos, só para descargo de consciência, mas por favor continuem a fumar por que há quem ainda faça muito dinheiro com os maus hábitos dos outros!
"Fumar causa impotência", "fumar aumenta os riscos de doenças cardíacas e problemas cardiovasculares", e a minha preferida: "fumar pode levar a uma morte lenta e dolorosa".
Não me digam que existe algum fumador que, depois de 2001 tivesse sido apanhado de surpresa ao comprar o maço de cigarros de manhã - do género, olhar para o maço e... "what the fuck...?" Mesmo assim paga o maço de cigarros e caminha lentamente para o café mais próximo, com um cafésinho e um cigarro no desejo e o aviso a preto e branco na cabeça. Antes de chegar ao café ainda hesita, tentando decidir-se entre o seu desejo e a sua razão e bom senso.
Não sei se ele chegaria a fumar depois de ter lido o aviso, eu acho que sim. Mas como foi atropelado por um autocarro antes de ter chegado ao café, nunca vou saber.
Pelo menos morreu descançado, pois não foi o tabaco que ele comprou todos os dias durante os últimos 30 anos que o matou! Que alívio! Mas não deviam os autocarros, automóveis, motas, comboios, metros, escadas rolantes, elevadores, escadas de incêndio, aviões, ondas do mar, pratos de comida em locais duvidosos, paracetamol, comprimidos para dormir, dietas farmacêuticas, garrafas de álcool, facas de cozinha, lâminas de barbear, martelos, serras eléctricas, e principalmente pessoas, ter um aviso gigante com letras a preto e branco para os riscos que oferecem? Era estranho... mas cómico.
Parece que a preocupação não está tanto em manter uma população saudável, mas em minimizar as culpas de se intoxicar uma sociedade que precisa cada vez mais de anestesiantes. O aviso num maço de cigarros é ridículo, não faz sentido nenhum. Fumar é um daqueles males que todos conhecem, mas que como é óbvio e não é subtil parece haver esta necessidade de vender, para além da nicotina, a falsa pretenção de que há uma preocupação geral com a saúde de todos.
(Não me façam rir!)
Morte lenta é algo que acontece todos os dias, fume-se ou não se fume.
Como a Martha Medeiros disse num dos seus livros, morte lenta é não saber trocar ideias, não ter interesse em debater, não ter opiniões. É evitar os próprios medos e não querer entender as próprias contradições. Morrer lentamente é ser-se escravo de uma rotina, repetindo o mesmo trajecto conhecido todos os dias. É não arriscar algo novo, não querer ver o desconhecido. É fazer da televisão a sua melhor companhia, e da casa o seu melhor amigo. Morrer lentamente é evitar paixões, é preferir o preto no branco e os pontos nos ís a uma viajem de emoções. É não querer mudar uma realidade que se detesta, por ser a única que se conhece, é não arriscar o certo pelo incerto. É não se permitir uma vez na vida a fugir das opiniões dos outros e dos conselhos sensatos - "fumar mata!".
Morrer lentamente é não querer viajar e conhecer outros lugares e culturas, é não gostar de se ler um livro, nunca ouvir música, não conseguir rir-se de si mesmo. Morrer lentamente é destruír-se quem se é ou nem saber-se o que se é. Morrer lentamente é passar os dias a queixar-se do azar que se tem, do mau tempo de chuva e vento ou do bom tempo de verão que é quente demais. É desistir-se bem antes de se alcançar a meta, é desistir-se de si mesmo antes de se descobrir. É viver-se satisfeito com a insatisfação.
Morte lenta é provavelmente a morte mais ingrata e traiçoeira. Quando se aproxima já é tarde demais para se voltar atrás. Concordo que já que não podemos evitar um final repentino, ou um final em geral, ao menos que se tente evitar a morte a prestações nunca esquecendo que viver exige muito mais do que respirar. Se o ar que se respira está cheio de fumo ou não, isso é um detalhe - todos os dias vejo pessoas a morrer lentamente, de cegueira, de incompetência, de ignorância, de estupidez forçada, de morais e valores destorcidos. E ver isto, só por si, faz-me sentir que também eu morro um pouco por dentro também. Faço-o de preferência com um lucky strike.

3 comentários:

  1. ahahahahaha sua fumadora Lucky Strike. Tudo o que enfiam nos maços de tabaco é pura hipócrisia sim senhora.
    Mas sabes que cada vez mais odeio a merda do tabaco. Já vi mais do que uma pessoa sofrer na pele as mazelas que isso lhes imprime no corpo e às vezes chego a pensar que o vício social e físico que o tabaco causa é bem mais difícil de largar do que certas drogas...

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  2. Adoro a tua descriçao de "morte lenta", acho conseguiste sintetisar na perfeiçao o que é a "amorfizaçao" interior. Parabens pelo momento de inspiraçao!
    Quanto ao Lucky Stike...pois tb sou adepta dessa preferencia...lol

    Bjs do outro lado =)

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  3. Minhas amigas, este texto foi escrito num momento em que me senti dividida entre a hipocrisia de tudo isto e a vontade de fumar 1 cigarro... ou a hipocrisia de fumar 1 cigarro! Deixei de fumar já há algum tempo, mas volta e meia independentemente de todos os avisos que me possam dar e da minha própria razão a lembrar-me porque deixei, o que mais me apetece é comprar 1 maço de cigarros bonito, sentar-me na minha cadeira preferida cá em casa, acender 1 e ler um livro ao som de John Lee Hooker! Ahahah (cada 1 com a sua mania!)
    Mas lá está: com a consciência que se ganha sobre estes assuntos e, principalmente com todos os avisos que nos roubam a inocência (ou a que restava!), fazê-lo não seria romântico e bonito - seria estúpido. Mas, como sou teimosa quando não posso fazer algo quero-o ainda mais! Ahahaha

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