(illustration by Paula J. Becker)
Fim de tarde. Mais um dia de inverno chuvoso, frio e cinzento - uma verdadeira fotografia a preto e branco, mas sem o aspecto romântico. Um dia longo e cansativo.
O que mais quero agora é chegar a casa, tomar um longo banho, vestir o meu pijama preferido e deixar-me caír para cima do sofá a ler um livro ou a ver um filme. Tranquilidade... mal posso esperar!
Já falta pouco. Saio na paragem de autocarro da minha rua e só preciso de andar uns 30 segundos até chegar à porta de casa. Já tenho as chaves na mão desde que entrei para o autocarro, ponho a chave na porta, entro e está escuro. Fiquei com a impressão de que estava sózinha e de que ía ter a casa por minha conta, o que vinha mesmo a calhar! Depois de uma semana de loucos em que nem festejei sequer o meu aniversário com a bela desculpa de ter calhado a uma 4a feira e de as 4as feiras serem um dia neutro e muito chato, nada me pareceu mais agradável do que a ideia de chegar a casa nesta 6a feira à tarde e iniciar o meu fim-de-semana fazendo absolutamente nada!
"Surprise!"
Caíram-me balões e serpentinas na cara, e sorrisos exagerados e palavras de festejo fizeram-me desejar por alguns momentos, ser cega e surda. Alguém resolveu mostrar ao mundo que eu gosto secretamente do Paulo Gonzo e começou a tocar "Heróis do Bar" ao fundo... parabéns, beijos, abraços... fuck! Agora já não podia estar cansada em paz.
Surpresa é algo que acontece de forma inesperada, do género: dizer-se a alguém por boa-educação mi casa es su casa e no domingo seguinte, de manhã bem cedinho - surpresa! Ou um grande amigo dizer-nos que encontrou o amor da vida dele, tirar uma foto da carteira para partilhar a sua felicidade e vermos que está apaixonado por uma pessoa de bigode e barbas chamada Afonso - surpresa! Ou passar uma noite com um estranho, depois de muitos wiskys e poucas palavras e 9 meses mais tarde - surpresa!
Surpresas são um susto, isso sim! Uma armadilha, como ver um rato à andar às voltas até encontrar um pedaço de queijo curado, delicioso e - surpresa! "clack"...
Surpresas são isso, e nada mais: um (des)prazer inesperado. Acordem, surpresa a sério seria eu anunciar ser uma neo-nazi.
Gosto cada vez mais dos prazeres esperados, conquistados, desejados. O prazer está em surpreender-me a mim mesma dentro das minhas expectativas e não naquele sentido "surprise!" em que se sente obrigado a sorrir por fora e em que na maioria dos casos se chora por dentro. "Não me podias ter avisado?" - "Se o tivesse feito já não seria surpresa!" - "Exactamente. E obrigadinha".
Aprendi que as coisas que caiem do céu, mesmo as boas como balões e serpentinas, caiem muitas vezes no momento errado e por isso já não sabem tão bem como era suposto.
Planear cada vez mais o que se faz ou o que se quer fazer não é, no meu entender, uma forma de fugir aos riscos e às emoções. É uma forma que encontramos (ou que eu pelo menos encontrei) de abrir portas em vez de as deixar caír em cima de mim. A previsibilidade pode soar a algo tão chato... mas gosto de saber a origem de tudo e gosto cada vez mais de situações claras e de pessoas directas. Continuo sem saber o que vai acontecer a seguir e não posso nem quero controlar tudo o que vivo. Mas não quero ser apanhada de surpresa de maneiras em que em vez de me sentir fascinada sinto-me presa e obrigada a algo.
Do género: vê-me como eu realmente sou e surpreende-me da maneira certa.
(Novembro 2006)